Quarta faixa do novo CD Turmalina.

A peça, pelo próprio compositor:

“Eis a realização de dois sonhos: escrever para o Grupo AUM e escrever uma incelênça. Gênero fúnebre, canto entoado ao pé do morto – enquanto os benditos à sua cabeça -, as incelênças (ou também chamadas de incelências ou excelências) se popularizaram muito nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Canto de caráter responsorial, as incelênças geralmente são entoadas por uma rezadêra e as sentinelas respondem em coro, sempre em número de 12 repetições. Acredita-se que o entoar junto ao defunto facilita a sua entrada no Céu. Quando se principia a cantar uma incelênça acredita-se que Nossa Senhora se ajoelha para só se levantar quando terminada for. Dessa forma, se ao retirar o morto para o enterro estiverem cantando uma incelênça, as cantadeiras devem acompanhar o cortejo até terminá-la, caso contrário Nossa Senhora continuaria ajoelhada e o espírito do falecido não alcançaria a salvação. Em licenciosidade poética, podemos identificar alguns elementos desta tradição na presente obra. A rezadêra aqui será representada pelo contrabaixo e, por consequência, os demais instrumentos: as sentinelas. Apois que resta dizer de onde vem o nobre tropeiro… Deixo aqui a minha reverência a esses heróis anônimos que atravessavam o país do extremo Sul até a afamada feira de muares de Sorocaba. Típico do Centro-Sul, durante os séculos XVII, XVIII, XIX, os tropeiros realizaram o trabalho de distribuição da produção brasileira, em regime de trocas ou comercialização. Muitas cidades surgiram onde antes foram pousos e ranchos tropeiros. No ermo das estradas passavam meses longe de casa na companhia da tropa e dos “cumpanhêros d’istradá”. Levavam consigo não só mulas, burros e mercadorias, mas também histórias e cantares que hoje constituem a nossa memória cultural. Ao que me leva à gratidão pela matéria prima a partir da qual desenvolvo hoje meu fazer artístico. E em memória do caro amigo e também “cumpanhêro d’istradá” Lord, aqui deixo esta incelênça…”

(cf. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 11. ed. São Paulo: Global, 2002. P. 218-220; 587; 699-701)

Tiago Litieri, paulistano nascido em 1982, bacharel em composição erudita pela FASM – Faculdade Santa Marcelina. Em agosto de 2012 recebeu a Ordem do Mérito Cultural Carlos Gomes pela Sociedade Brasileira de Artes, Cultura e Ensino. Compositor de universo poético essencialmente rural, Litieri remete tal enveredamento à obra e à figura do compositor baiano Elomar Figueira Mello. Aluno do renomado compositor brasileiro Edmundo Villani-Côrtes desde outubro de 2009, através do qual se deu a aproximação com o Grupo AUM. Dentre suas obras que ganharam maior visibilidade estão o seu Canto Sertanês n.1 para orquestra de cordas e a sua primeira obra para violão solo intitulada A revolta dos Lavradores, dedicada ao violonista Marcus Toscano. Contribuiu para a fundação do Rancho Cultural – centro de cultura sertaneja – idealizado e dirigido por Mestre Juriti (Orlando Leitão Júnior). Em julho de 2012 participou da fundação da Associação Orquestra Sinfônica Edmundo Villani-Côrtes como membro fundador.